(E toda boa ideia tem um passado que você talvez não tenha percebido.)
Existe um mito persistente na cultura da criatividade: o do gênio solitário. Aquele personagem quase místico que, do nada, tem um estalo brilhante. Um insight puro, inédito, imaculado.
É bonito de imaginar. Mas é falso.
Ideias não aparecem por mágica. Elas não caem do céu, não surgem do vácuo. Elas são encontros. Colisões. Atritos. Acidentes felizes entre pedaços de referências, dores, desejos e contextos.
Steve Jobs dizia que “criatividade é apenas conectar coisas”. E essa frase, por mais simples que pareça, carrega um código poderoso: o segredo não é ter uma ideia nova, mas ver novas possibilidades entre ideias que já existem.
A criatividade, então, não é uma centelha. É um sistema. Um sistema construído em silêncio, com camadas de repertório acumuladas ao longo da vida — livros, conversas, fracassos, cheiros, músicas, erros, observações.
O psicólogo Mihaly Csikszentmihalyi (criador do conceito de flow) estudou por décadas pessoas altamente criativas. E ele percebeu algo curioso: os momentos de genialidade geralmente nascem da sobreposição de áreas diferentes. Um cientista que também lê poesia. Um artista obcecado por biologia. Um engenheiro apaixonado por filosofia.
Ou seja: o que gera a faísca não é o excesso de especialização em uma única linha, mas a interseção entre saberes.
É aí que mora a mágica. E também a responsabilidade.
Porque se ideias são encontros, precisamos cultivar os espaços onde elas podem se cruzar. E isso vale tanto para a mente quanto para os ambientes.
Uma cabeça cheia de dados técnicos, mas pobre de experiências, dificilmente vai criar algo realmente novo. Assim como uma equipe que só fala entre si, que não escuta clientes, que não lê outras áreas, que só consome os mesmos conteúdos, tende a repetir fórmulas até perder o brilho.
É por isso que nascem tantas campanhas genéricas. Tantos slogans que poderiam ser de qualquer marca. Tantas estratégias que parecem saídas de uma planilha, não de uma história.
No marketing, onde todos buscam inovação, o erro mais comum é buscar ideias dentro da própria bolha. Mas inovação vive nas bordas. Nos encontros improváveis. Num dado esquecido. Numa frase ouvida no café. Na metáfora que você pescou lendo Star Wars e aplicou em funil de vendas.
É por isso que profissionais criativos não são apenas bons de execução. Eles são colecionadores de conexões.
Eles sabem que criatividade não é sobre ter ideias. É sobre ter boas perguntas para fazer aos próprios repertórios.
É sobre lembrar que ideias não nascem. Elas colidem.
E se a gente quer viver de boas ideias, precisa alimentar esse terreno. Não com mais volume — mas com mais diversidade. Não com mais cursos — mas com mais curiosidade. Não com mais pressão — mas com mais espaço.
A criatividade exige disponibilidade para o inesperado. E nenhuma inteligência artificial, por mais avançada que seja, pode colidir experiências como um ser humano pode.
Então aqui vai a pergunta da vez:
Qual foi a última vez em que você se permitiu encontrar uma ideia — em vez de tentar inventá-la?





